Quatro tiros no dia

Era quase três da tarde quando ouço o primeiro pipoco seguido de um grito. Depois outro e mais um grito. Pensei que fosse as netas de minha vizinha brincando com bombinhas e algo teria dado errado. Outro pipoco e mais gritos de socorro. Nossa! Algo estava indo muito errado mesmo. Mais um pipoco e minha mãe entra assombrada, aos berros:

_CHEGA MINHA FIA, CHEGA! Ô MEU DEUS! QUE COISA TRISTE! - ela clamava quase aos prantos.


_ MÃE O QUE É ISSO? – eu dizia, achando que alguém estava sendo eletrocutado na rua, ou uma panela de pressão havia explodido, sei lá de onde tirei essas coisas, só não imaginava que fosse...


_ TIRO, MINHA FILHA! É TIRO QUE ESTÃO DANDO NA RUA! DEVE SER EM ALGUM ALUNO. Ô MEU DEUS, TENDE MISERICÓRDIA!!! – ela dizia isso me empurrando pra dentro de casa, fechando a porta e me fazendo se abaixar. Nisso, meu pai aparece assombrado, fecha as janelas e manda-me ficar quieta!


Os gritos cessam e os tiros também. Minha mãe ainda está choramingando e eu pedindo a ela que se acalme. Meu pai abre a porta.


_ Não painho! Não vai não!


_Não vou sair não. Só vou olhar por cima do muro. Já tem gente saindo na rua.


Ele abre a porta e minha mãe desembesta gritando pelos vizinhos


_Dona Zuleíde! Dona Julieta! O que foi isso???


Olhamos por cima do muro e não vemos nada demais e nem ninguém jogado no chão, somente os moradores da rua que se juntam nas portas de suas casas sem entender patavinas do que acontecia. Há uns lamentos vindos da direção da esquina mais próxima de minha casa. Imagino que alguém atirou em algum estudante do CPDAC, outro colégio grande, cujo muro fica em frente à minha rua.


_Oh meu Deus! Os gritos vêm dali! Pelo jeito foi bem pertinho daqui! Vai alguém olhar o que é pelo amor de Deus PORQUE DEVE ESTAR MORRENDO!!!


_ MÃÃÃÃÃÃÃÃE!!! JÁ CHEGA! DEIXA DE ESCÂNDALO!!! ISSO NÃO VAI AJUDAR EM NADA!!! – eu já tava deixando o medo e a curiosidade dar lugar a ira! Minha mãe tem essa mania! Ela fica chamando atenção do acontecido de forma exagerada.


Um casal em uma moto que vinha de onde eu imaginava ter ocorrido os tiros, pára em frente a minha rua. Outras pessoas que caminhavam na calçada do CPDAC também param e concluo que o fato não aconteceu na rua.


O dono do IENSC – uma escola particular que tem quase em frente à minha casa – aparece no portão falando ao celular. Uma das vizinhas, dona Zuleide, vai até o IENSC e emburaca. Sai de lá aos prantos e gritos, dizendo que uma moça foi atingida e que está deitada nos braços de uma mulher, sangrando muito.


Dona Zuleide tem um ataque histérico e com isso, minha mãe se cala, corre até a casa da vizinha, lhe faz uma garapa de açúcar.


_ O QUE FOI DONA ZULEIDE? O QUE FOI? A SENHORA VIU? TÁ LÁ NO IENSC É? – pergunta minha mãe, agora já tomada por uma curiosidade quase doentia. – Vai ali Roberta Vanessa! Vai dizer a teu pai pra comprar cigarro pra dar um dona Zuleide que num instante ela se acalma. – e dizendo isso,minha mãe parte pra calçada do IENSC, para tentar ver a vítima. Meu pai fica logo irado:


_ MAS O QUE É QUE TUA MÃE FOI VER ALI??? MANDA ELA VOLTAR, MANDA! ELA QUER DAR DEPOIMENTO, É? – e sai resmungando em direção à banca de jornal.


Resumindo a história, o que soubemos foi que a moça foi atingida pelo ex-marido. Ele teria se aproximado e começado a atirar. A moça não estava só. Sua irmã a acompanhava. E dizem alguns, que o acusado queria atirar pra matar mesmo, tanto que antes de fazer um dos disparos, havia posto o revólver na cabeça da vítima, porém, a irmã da moça partiu pra cima, empurrou o braço do cara e este acabou atirando pro alto. Nisso, já haviam chamado a atenção dos funcionários do IENSC e o acusado partiu numa moto.


A moça foi levada pelo SAMU e, a meu ver, passava bem. Afinal, a vista ter quase perdido a vida numa rua deserta em plena três horas da tarde de uma quarta-feira, um tiro no braço, é... só um tiro no braço.


*Imagem retirada de:
http://www.tvi24.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/12513126/318

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