“Ela” Adormecida

Inexplicavelmente, ela dormia próxima a uma janela. Não! Na verdade, não dormia! Fingia dormir, sentindo a luz quente do sol da manhã aquecer-lhe a face de maneira acolhedora.

E enquanto se deixava iluminar, ela ouviu vozes masculinas se aproximando do quarto onde se fingia adormecida. Dentre essas vozes, uma foi reconhecida. Era ele!

Como? O que ele fazia ali? O que ELA fazia ali? Que lugar era aquele? De quem era aquele quarto onde se encontrava? Como fora parar ali? E por que fingia dormir???



Sem entender nada, nem sabendo como fugir, permaneceu no mesmo lugar, dando continuidade ao seu momento “Bela Adormecida”.

As vozes tornaram-se mais altas, indicando que os homens já estavam no mesmo recinto que ela. Mesmo de olhos fechados, a moça percebeu a surpresa entre os presentes, pois todos silenciaram ao notá-la.

_ Quem é? – ela ouviu um dos homens perguntar. E depois de uma breve pausa, a resposta:

_ É uma amiga minha. – o silêncio dominou o quarto e a jovem sentiu todos os olhares voltados para ela. Mas um desses olhares, lhe queimava a pele assim como os suaves raios solares que há pouco lhe acariciavam.

Apesar do coração palpitar descompassado e o sangue gelar-lhe as veias, ela deu continuidade ao seu teatro, voltando o rosto sereno para sua plateia, dando um leve suspiro como se repousasse nas nuvens, completamente alheia ao mundo fora de seus sonhos...

Para sua surpresa, ela sentiu-se rir interiormente, pois percebia naquele momento que sua farsa era proposital e não uma fuga. Desejava estar ali e esperava por isso. Fora um plano traçado: queria fazer uma cena e surpreendê-lo. Conseguira!

Contudo, entendesse ou não que tudo não passava de uma estratégia, o rapaz deu continuidade a sua conversa com seus tios (não se sabe como, ela tinha certeza que os homens eram tios do rapaz) e ignorou a “princesinha”. Falou um pouco mais e saiu.

Quando deu por falta do rapaz, ela fingiu acordar, mesmo imaginando estar sozinha no local. Abriu os olhos devagar, espreguiçou-se, olhou pela janela e sorriu. Estava satisfeita com a situação, muito embora ainda não entendesse porque planejara tal coisa e porque sentira o que sentiu, afinal, nunca entendera o que de fato sentia pelo dono daquela voz. Era um sentimento sem nome que ia e voltava, a balançava e jamais se explicava.

De repente, bateu-lhe uma enorme vergonha. Um grande medo de ter se exposto demais. Lá estava ela, de camisola branca e comprida (praticamente uma túnica), mas levantada o suficiente para deixar suas pernas bem à mostra. O sangue subiu-lhe às faces e a jovem sentiu-se corar. Rapidamente se enrolou no lençol e, ao mesmo tempo, ergueu-se da cama numa espécie de rodopio. Parecia que desejava sumir nesse movimento. Todavia, se viu frente à frente com os tios do rapaz, que a olhavam curiosos.

_ Bom dia! – ela disse num fio de voz e antes que pudesse receber resposta, correu até um guarda-roupa.

Cheia de agonia e desespero, a moça começou a abrir as portas do tal armário e o vasculhava com alvoroço. Mas não encontrava nada adequado para vestir. O coração voltou a bater forte, o sangue agora estava fervilhando, o mundo girava, faltava-lhe o fôlego, o lençol escorregava e ela sentia-se cada vez mais vulnerável, indefesa, nua...

Quando já ofegava, tentando prender o choro que se avolumava na garganta, foi surpreendida:

_ O que é que você tem? – o rapaz acabara de voltar. Lá estava ele, de pé ao lado do armário, com o cabelo levemente despenteado, sem camisa, exibindo o peito que, por mais encabulada estivesse, ela não pôde deixar de admirar. Rapidamente a jovem fechou o guarda-roupa, tentando responder num sorriso trêmulo:

_ Nada não! E-eu só estava procurando uma coisa aqui para vestir... só-só isso... – não adiantava mais tentar dizer nada. Não conseguia. Ela já se encontrava completamente paralisada e sem ar diante daquele que se mostrava indiferente às suas reações.

Dizendo palavras que ela não entendia ou não conseguia mais recordar, o rapaz virou-se e partiu. Agora, sozinha, o choro escapou-lhe da garganta porque finalmente descobrira o nome daquele sentimento.

Com as lágrimas derramadas, ela acordou desse sonho, certa de que essa história não chegara ao fim. Porém, anunciava o começo de tudo...


*Imagem retirada de:
http://kamalainpatmos.blogia.com/

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