Quando não só chora a sanfona

Há algumas semanas, assisti ao filme “Gonzaga – de pai pra filho” (2012), dirigido por Breno Silveira.

Ao adentrar a sala e perceber tantas pessoas de idade avançada, não consegui conter uns risinhos cínicos (e imaturos. Claro! Eu admito tudo! òó) e comentários ruins, do tipo: “Nossa! Sinto-me em um baile da terceira idade. ¬¬” ou “Eita! Já vi que quando começar a tocar alguma música, vou ouvir neguinho dizendo: ‘Ai! Eu dancei muito isso. Bons tempos aqueles...’”.

Para minha surpresa, não ouvi nenhum comentário do gênero, mas tenho toda a certeza de que muita gente ali viajou no tempo, embalando-se no vai-e-vem da sanfona do Rei do Baião.

Isso foi uma sacada de mestre, por parte do diretor e da roteirista (Patrícia Andrade). Muito perspicaz usar a memória como gancho desse longa-metragem. Sim! Eu digo isso, porque todo mundo sabe que música é uma das coisas que mais nos faz viajar no tempo. A música resgata lembranças que sequer imaginamos que ainda temos. Ela nos faz voltar ao passado em poucos segundos. Basta apenas reconhecermos as primeiras notas, para rapidamente relembrarmos de uma história inteira.

Neste filme de Breno Silveira, a memória está presente o tempo todo. O filme foi feito em memória de dois grandes artistas, cuja trama em tela, revela as memórias de ambos, de modo que estas memórias encenadas despertam as lembranças de todos os espectadores. Não por acaso que as lágrimas rolam sem freio. O fungar dos narizes, meio que substitui o arrastar das chinelas que poderiam acompanhar a sanfona do Gonzagão.

Sem falar que o filme é todo emoção. Nos comovemos com uma história, que convenhamos, já é clichê: um jovem nordestino, pobre, preto e sem formação que sai pra capital em busca de vencer na vida. E claro! Ele vence e vence bonito!!!!

“Mas se o tema é clichê, Roberta, então por que nos emocionamos tanto?” Ora! E eu preciso responder? Quem aqui não gosta de um drama batido? Não vamos ser hipócritas! O que faz sucesso mesmo é o estereótipo. E querendo ou não, a história de Luiz Gonzaga não é novidade pra ninguém, visto que ele já cantava sua vida há muito tempo.

O que nos emociona nesse filme, a meu ver, são nossas próprias memórias. Estas trazidas por meio das atuações perfeitas de personagens simples, cujas falas e gestos, criaram em nós, identificação. Aposto que muitos ali se viram em suas casas, conversando ou brigando com seus pais; alguém lembrou a infância pobre ou as festas realizadas quando voltavam para casa, depois de anos longe da família; ou quem sabe dos amores deixados para trás, mas que em épocas remotas foram bem expressados em meio a “chamegos” bem apertadinhos durante um forró miudinho (eheheheh). Enfim, quem ali não viajou no tempo e enxergou-se de alguma maneira?

Eu comecei a chorar na cena em que Januário e Gonzaga apareceram juntos pela primeira vez, fazendo um dueto enquanto a mãe orava em novena. Não! Ninguém toca sanfona em minha família e nunca tive qualquer experiência nesse sentido. Porém, a cumplicidade daqueles dois e a simplicidade da vida tocou-me profundamente, pois reconheci naquelas falas, naqueles olhares e expressões, histórias que ouvi de minha família.

Sou filha de sertanejos e posso garantir que quem mora longe da família e volta ao berço depois de anos, volta assim, de madrugadinha, na surpresa. Bate à porta, chama, finge ser outra pessoa e quando é reconhecido, a casa toda acorda e o visitante vira o centro das atenções do lar e da cidade. Eu vi isso acontecer várias vezes com meu pai, e ficava fascinada.

Eu poderia citar vários outros momentos em que fui às lágrimas enquanto assistia a esse filme, mas se eu falar todos, certamente lhes contarei toda a trama. Sendo assim, tentarei voltar a falar de maneira mais crítica. Então, de agora em diante, vou me debruçar apenas nos detalhes que mais me chamaram a atenção.

Achei perfeita a escolha da trilha sonora. A presença de Nelson Gonçalves na música “A deusa da minha rua”, marcando o encontro de Gonzaga com Odaleia, foi BRILHANTE! Quem conhece a letra desta canção, sabe que não poderia haver música melhor para intensificar a personalidade de Odaleia e a grande diferença entre ela e Gonzaga.

Outra coisa que achei uma sacada legal, do próprio Lula, claro! Foi o lance do chapéu de couro. “POR QUE?” Você poderia me perguntar. Simples! Pela mera referência a Lampião. Afinal, por mais que Gonzaga quisesse se caracterizar como o homem do sertão, revestido em sua armadura, o tal gibão de couro, usado principalmente pelos vaqueiros da região, o detalhe era o chapéu. Pois o Gonzaga usava sempre com o mesmo modelo usado por Lampião, talvez visto pelo jovem, como um herói (e quem sabe ele não foi ao menos um anti-herói?õO). Esse fato me pareceu uma espécie de coroação, visto que um era considerado o Rei do Cangaço e o outro acabara de se tornar o Rei do Baião. E isso, é muito bonito. Ambos são ícones sertanejos. Não há como pensar no sertão e não pensar nessas duas figuras...

Além disso, foi muito inteligente se pautar em um conflito familiar para falar ao mesmo tempo de dois grandes artistas e não nos cansar com aquela velha fórmula biográfica de contar a historinha do protagonista, desde o nascimento ou infância, apenas seguindo uma cadência cronológica.

Vemos claramente duas histórias acontecendo paralelamente. Gonzaga e Gonzaguinha se fazendo conhecer um ao outro perante a plateia, nos tornando testemunhas de um grande acerto de contas. Fazendo-nos entender o possível motivo de Gonzaguinha ser rotulado de “cantor rancor”, por escolher protestar através da música. Embora, ninguém naquela época imaginasse que, na verdade, aquelas canções de Gonzaguinha fosse talvez, a última tentativa dele ser visto e ouvido pelo pai, como se, somente através da música, os dois conseguissem se entender...

Confesso que eu gostaria até de escrever mais sobre este longa que me causou tanta comoção. Porém, apesar do fervilhar de ideias, não tenho palavras para descrever tudo que me veio à mente durante e após o filme. Só posso dizer para quem pretende assistir a essa película, se prepare! Porque durante essa obra cinematográfica, não é o só a sanfona quem chora não... 


*Imagem retirada de:
http://www.ospaparazzi.com.br/celebridades/gonzaga-de-pai-para-filho-9588.html

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